domingo, 16 de setembro de 2012

O DESPERTAR DAS HORTÊNCIAS





Ela gostava de jardins. Tinha uma alma suave e uma paciência para realizar as atividades mais sublimes, como as de cultivar flores. Já estava acima da meia idade quando ganhou de presente de uma amiga uma muda de uma flor espetacular: Hortência azul. A cor dos seus olhos. 

Imediatamente, foi até o jardim para plantar aquele exemplar que tanto sonhou em ter em seu lindo jardim de flores multicoloridas. Esmerava-se, dia a dia, no cuidado com suas flores. 

Mas aquela flor especial diferenciava-se das demais. Não vinha a luz, não desabrochava. O que a deixava triste. Ela pensava: “o que falta para que esta flor desperte se tenho tanto cuidado com ela? Talvez o solo? Talvez faltasse uma iluminação melhor?” Perguntava ela sempre que visitava seu jardim pelas manhas. 

E isso se repetia ao longo dos anos. O que tinha de tão especial naquela flor que se recusava a florir? Penso eu com certa aflição. O que exatamente aquele pequeno arbusto representava para ela? 

Ao certo que não encontrei uma resposta satisfatória. Ela sempre dizia:” Essa é a flor da minha vida, a que sempre sonhei em ter no meu jardim!”. 

Imagino como deveria ser frustrante para ela acordar todas as manhas e seguir seu percurso de sempre: caminhar por seu jardim e ser surpreendida pela imagem de uma bela flor azul que nunca desabrochava e ela dizia sempre: “Ela terá a cor dos meus olhos!”. 

Os anos se passaram e aquele pequeno arbusto cresceu, mas não floria. Ela já sem esperanças de ver a sua linda flor florescer, começava a dar sinais de tristeza. Havia manhas em que ela nem sequer ia mais ao seu jardim e como justificativa, sempre dizia: “Eu sei que ela não floriu hoje.” 

Um dia, ela adoeceu gravemente, o que a impossibilitou de cuidar de seu jardim. Ficou em uma cama, praticamente limitada de tudo. Entregou os cuidados do jardim a um jovem rapaz e disse a ele: “cuide daquele arbusto com carinho, lá existe uma flor linda que ainda está adormecida.” 

Sua condição de saúde piorou muito e ela teve que viajar para submeter-se a uma invasiva cirurgia. No dia de sua viagem ela, com dificuldades e em uma cadeira de rodas, pediu ao seu filho que a levasse ao seu jardim. Ela queria ver, talvez, quem sabe, pela ultima vez, aquele recanto que lhe trouxe paz e alegria para os dias sombrios. 

Seu filho a levou ao jardim e ela passeou entre as flores. Algumas ela cheirava, outras ela arrumava. Dirigiu-se ao arbusto onde dormia a sua Hortência Azul. Olhou-o de perto, verificou, com certa dificuldade, suas folhagens e percebeu que a flor não havia nascido. Uma lagrima brotou dos seus olhos. Ela estava triste e como sem qualquer uma esperança de ver desabrochar a flor que representaria a sua vida, ela disse ao filho, com voz embargada de emoção: “Podemos ir, já revi tudo que tinha vontade de rever. Posso dizer que sigo para essa viagem com o perfume do meu jardim e com a imagem multicolorida dele, mas sigo também triste, porque minha flor não nasceu”. 

Seguiu de viagem e submeteu-se a difícil cirurgia... Um mês após ter sido transplantada, retornou a sua casa. Estava fraca, mas feliz ao retornar ao lar de quase 50 anos. A primeira coisa que viu, foi o seu jardim. Percebeu que não estava tão cuidado e que algumas flores estavam diferentes. Foi imediatamente ao seu arbusto de hortênsias e, mais uma vez, foi tomada de uma frustração golpeante. Ela não havia nascido. Havia dado ordens, enquanto viajava que trocasse de lugar o arbusto e o colocasse em um local mais ensolarado, o que foi feito. 

Os dias se seguiram e, como recomendação medica, ela deveria fazer exercícios respiratórios diariamente. Decidiu faze-los no jardim, sempre ao amanhecer. Ela dizia que aquele lugar lhe transmitia paz, sossego e que os ventos ali sopravam com mais pureza. 

Havia um banco no jardim, que ficava bem em frente ao arbusto das hortênsias. Lá ela se sentava todas as manhas, enquanto sua filha lhe ajudava com os exercícios respiratórios. Ela, embora cumprindo todas as recomendações médicas, sabia que seu estado de saúde era grave e que talvez, para ela, não lhe restava tanto tempo de vida. Mas mesmo assim, com dificuldades cada vez maiores, pedia para ir ao jardim. 

Certo dia, ela piorou gravemente de seu estado de saúde e teve que viajar de urgência para nova reavaliação de saúde, com a equipe medica que havia lhe operado há dois meses apenas. Ficou internada por dois meses nesse hospital e embora já quase sem forças de sobreviver, perguntava sempre pelo seu jardim, que ficou aos cuidados da filha. 

Ela foi submetida à nova cirurgia, no entanto, não resistiu e veio a falecer no dia do seu aniversário, após dois meses de internação no hospital. Seus familiares lamentaram a grande perda dessa mulher tão querida e amada por todos e que tinha na face um sorriso amável e um olhar cativante. Seus olhos eram como duas contas azuis que contrastavam com sua pele clara e cabelos negros. 

Enquanto o corpo da mãe falecida não chegava a sua cidade para os funerais, seus outros filhos ficaram na casa dela aguardando o momento da chegada do corpo. Estavam sentados no banco do jardim, chorando a grande perda, foi nesse momento em que seu filho parou um instante e olhou o arbusto de hortênsias que, por falta talvez de cuidados, estava quase todo coberto pelas flores vizinhas. Neste momento ele percebeu que havia uma linda flor de um azul intenso ao meio das outras flores. 

Ele, emocionado, comunicou a irmã e ambos foram até mais perto da planta a fim de verificarem se realmente se tratava da flor que a mãe há quase dez anos esperava desabrochar. 

Tomados por uma grande emoção, viram que a Hortência havia despertado, nascido, florido e vindo à luz. Ficaram admirando aquele cenário tão lindo que a natureza lhes havia presenteado em um momento de grande sofrimento. 

A filha tomou a flor azul entre suas mãos, sentiu a textura, o brilho e o perfume que vinha daquela flor tão esperada. Era linda!. 

Quando o funeral da mãe terminou e todos deveriam seguir ao cemitério para o ultimo adeus para este ente tão querido, a filha retirou, com cuidado, a flor azul do jardim, colocou-a em um vaso pequeno de cristal e levou-a ao cemitério. 

Ficou com aquele vasinho nas mãos até a sua mãe ter sido sepultada. Todos já haviam ido embora, mas ela ficou. Queria fazer a ultima reverencia a sua mãe. Queria estar a sós com ela nesse momento de expressão maior de amor. 

Assim que todos saíram, ela levantou-se, dirigiu-se ao jazigo da mãe e dentro dele colocou o vasinho contendo uma linda Hortência azul. Fez uma oração e depois, em voz baixa e embargada de emoção e lagrimas disse baixinho, como que falasse para si mesma: ”Minha doce mãe, sua flor nasceu. E venho trazê-la para que ela te de alegria e que sua alma siga em paz para a eternidade. Descanse mãe, pois seus “olhos azuis” floresceram.”. 

Na semana seguinte ao sepultamento da mãe, outras hortênsias começaram a florir em vários matizes de azul. Meses se passaram e a casa teve que ser vendida. A filha fez apenas um pedido ao novo proprietário, que ele apenas conservasse, se achasse necessário, o arbusto de hortênsias azuis. À principio o proprietário não compreendeu muito bem, mas aceitou o pedido. 

Hoje a propriedade não tem mais aquele vasto jardim e embora as novas construções tenham tomado conta daquele que foi um recanto de paz e sossego, o arbusto das hortênsias continuaram existindo e adornando a entrada da nova casa. O pedido da filha fora atendido pelo novo proprietário e ele havia comentado que tinha uma relação de cuidado com aquela flor. 

Penso no que poderia estar simbolizado naquela espera de anos por uma flor? Quem sabe uma relação que pudesse traduzir a vida amável e afetuosa daquela mulher de olhos azuis tão profundos. Imagino que onde ela estiver hoje na eternidade, sua alma está feliz. 

A vida às vezes é tão simples, que para algumas pessoas, uma flor pode representar a felicidade e traduzir uma vida que a vida valeu a pena ser vivida. E o que mais me chama atenção é que vida e morte são mãos que se entrelaçam. 

Em um mesmo dia essas mãos se entrelaçaram. E uma história de afetos se deixou transparecer na vida se foi e outra veio à luz. Uma relação de amor vivida entre ela e sua flor. A vida tem as suas compensações e através da flor desabrochada, aquela suave alma que partiu para eternidade, teve perpetuada na terra o melhor de sua imagem. Sim, seus olhos azuis floresceram...



Ana Sá Peixoto
                                         


4 comentários:

  1. "seus olhos azuis floresceram..." que conto lindo, e emocionante, faz refletir muito sobre a vida em todos os sentidos, uma espera que as vezes nos cansa, desamina, e nos faz desistir. mas como saber o que essa espera realmente quer nos transmitir? não há coisa melhor do que começar o dia lendo um lindo texto como esse, obrigado pela leitura e que muitas hortênsias azuis possam florir em nossos jardins, abraços poetisa!

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  2. Obrigada Sid, seu comentário me engrandece muito e me estimula cada vez mais a escrever. Para mim é muito gratificante dialogar com amantes da Escrita. Sucesso pra vc também querido Escritor. Abraços

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  3. A VIDA E A MORTE, MÃOS QUE SE ENTRELAÇAM...
    A felicidade, uma flor...
    Tocante. Gostei.
    Abrs.

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  4. Querido ADhemyr Fortunatto, obrigada pela visita no blog. Sucesso para você, nobre escritor. Abraços, Ana

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