sábado, 30 de junho de 2012



                                VIVENDO SOB ESCOMBROS




Quero lhe contar uma história de violações da dignidade humana

Certa vez, conta a história, em 1755, Lisboa sofreu um violento terremoto, dizimando milhares de pessoas e, como medida de emergência, o Marquês de Pombal, então Ministro de D. José I (Rei de Portugal), determinou severamente:

"Enterrem os mortos, cuidem dos vivos e fechem os portos"

Duras palavras, porém necessárias.

A alma humana também é região propicias a tais abalos e quando eles acontecem, achamos que não os merecemos.

Comparo a violência sexua a um desses abalos de grande magnitude que nos acometem de súbito. É muito difícil sobreviver a situações tão inóspitas. Acreditamos que seja tarefa penosa demais e que não suportaremos tamanha dor.

Ela passou por estágios de negação, revolta, medo, culpa, angústia...Desespero. E enquanto não chegou ao estágio da "aceitação da realidade", viu seu cotidiano destruído.

Realmente, penso não ser nada fácil focar o futuro quando tudo ao nosso redor desmorona. 

Sim, foi dessa forma que ela se sentiu, como se estivesse vivendo sob escombros. Acreditou que seus sonhos, ideais e planos traçados melimetricamente, ficaram soterrados.

Nesses momentos que se seguiram ao evento traumático, ela acreditou que nào sairia jamais dos escombros e que nào haveria salvação para seus tormentos. 

As horas para ela se passavam sem qualquer importância e a sensação de sufocação foi imapactante, porque teve medo de denunciar seu agressor, mantendo, dessa forma, o doloroso pacto do silêncio.

Ela sentia vontade de gritar e não podia porque o medo lhe assombrava a alma, mas quando conseguia, era sempre um grito que soava pra dentro. 

Penso que quando se é vítima desta agressão, sente-se que a força (energia física) e a coragem (energia moral) começam a se esvair da pessoa e tem-se a nítida impressão de que não se sobrevirá a esse doloroso abalo.

Ela imaginou que esse tormento nunca teria fim, o que não é verdade.

Quando se descobre, mediante a dor, que dentro de nós não existem apenas a força e a coragem que nos sustentam a vida. Existe também a fé que, em decorrência dos percalços da vida, muitas vezes negamos a sua existência. 

A fé que descrevo, não é apenas a crença no sagrado, mas também em nosso eu mais profundo, ou ainda nas pessoas que estão prontas a nos ajudar (com todos os mecanismos que nos têm a oferecer). Esse sentimento de ajuda se traduz nos apoios terapêuticos e na lei de proteção as mulheres vítimas de violência doméstica.

Esse sentimento de acolhimento pode nos socorrer das ruínas de nossa alma e corpo, fazendo-nos reencontrar o sentido da vida e o brilho nos olhos que, outrora, frente a grande dor, perdemos.

Lembre-se: Reconstruir para recomeçar é a tarefa de todos aqueles que sofrem abalos dessa natureza.

E quando alguém se encontrar no epicentro de um terremoto dessa magnitude, lembrem-se das palavras do Marques, para podermos compreender que:

"Enterrar os mortos" é, sem dúvida, parar de explorar a tragédia e de se recriminar por ela.

"Fechar os portos" é se fortalecer para uma nova vida. É impedir que novos problemas sobrevenham enquanto curamos nossas feridas. É manter o foco na reconstrução!

"Cuidar dos vivos" é tomar conta do presente e ter cuidado com o que restou. É valorizar o que há de melhor em nossas vidas. É resgatar, das aflições sofridas, a força que nos conduzirá para dias melhores.

Depois dessa longa jornada sob os escombros, que você, querida leitora, possa ser capaz de erguer um lindo monumento em sua alma, edificando um dois sentimentos mais nobres que existem no ser humano: A coragem e a paz interior.

Que possamos abraçar com carinho as vítimas dessa dolorosa violência, que mesmo no silêncio, conseguiram traduzir suas dores.

A violência sexual é uma das maiores agressões à dignidade humana. Denuncie. E que o respeito seja um imperativo em todos os lares.

Ana Sá Peixoto

quinta-feira, 28 de junho de 2012


                                  LUZ DA MINHA VIDA




Este poema é dedicado a minha mãe Maria do Céu, que partiu desta vida para a eternidade





Luz da minha vida,
minha mãe querida
acalma-me as dores
e os temores que eu sentir.

E quando eu partir,
acolha-me em teus braços
e que nos teus abraços eu possa sentir
que a vida é eterna de amores e flores
e que todas as cores brilhem em ti.

Luz da minha vida
minha mãe querida
que minha alma sofrida
se acerque de ti

E quando em teus braços
estiver me refeito
das penas terrenas
que eu possa seguir
teus passos macios de amor e alegria
que Deus confia agora para mim.

Luz da minha vida
minha mãe querida
mostre-me o caminho
que terei que seguir.

E quando eu me erguer
vou caminhar e ajudar
quem de mim precisar.

Que eu possa dizer,
a quem escutar,
que a vida é eterna
pra quem soube amar.


Ana Sá Peixoto


CONEXÕES DO PASSADO







A memória é o refúgio da vida e da história. Embora a vida aconteça no presente... 

As recordações de fatos vividos no passado, dolorosos ou intensos de beleza, são edificantes. Impulsionam-nos a sermos mais assertivos e minoram a possibilidade de repetições de erros. 

Recordar o passado não significa “viver do passado”, mas é tirar das emoções vividas o bálsamo para as tormentos do presente, quando eles existem... 

A vida é uma conexão constante com nosso passado e é dele, ou através dele, que construímos nosso presente e planejamos nosso futuro. 

O que seria de nós humanos sem o passado? Não sabemos ainda...O Tempo é um fenômeno, embora muito estudado, pouco compreendido. Talvez, viveríamos num vácuo...um eterno cair... 

O que se sabe, ao certo, é que tudo o que se vive é internalizado e que não há esquecimento sem causa. 

Muitas vezes buscamos esquecer fatos vividos porque eles demandam uma intensidade de angústia no plano dos afetos. Em outros momentos, buscamos as glorificações vividas como alimento e suporte para um cotidiano desorganizado ou para dar mais eficiência à vida que se transcorre. 

Mas o passado não é redentor, ele funciona como sinalizador...Quando lembramos de episódios vividos de intensa beleza o que buscamos querer? Em um primeiro momento, desejamos mostrar a nós mesmos que fomos felizes e o quanto foi importante o que foi vivido. 

Mas, o que está por traz da negação do passado? Da compreensão de que passado é o que passa e não volta? 

Quando dizemos que o passado está morto, estamos tentando, talvez, no plano do inconsciente, buscar explicações para um presente que não se quer viver ou que se tem receio de viver. 

Sem dúvida, negar o passado é sabotar quereres, impedindo que o futuro se construa. Porque não há construção de futuro sem as conexões com o passado. Isso a vida nos mostra cotidianamente. 

E o que pretendemos explicar ao presente quando dizemos que o passado está morto? De súbito, parece difícil a resposta....Mas não é. Quando “matamos” o passado, estamos negando a possibilidade de crescermos com as experiências vividas. 

Viver com o passado e não do passado, talvez seja a palavra de ordem para a construção da felicidade. 

Permita-se ser feliz...Aprenda com o passado!!! 

Ana Sá Peixoto

TEMPO ÉS O SENHOR DOS DESTINOS?




Conta a lenda que o tempo é o senhor da história, a razão e vontade das escolhas e o sentido para a vida. 

Crescemos cultivando a ideia de que ele, o tempo, cura todas as feridas ou suaviza todas as dores. Não há duvidas de que o tempo é passagem, que tem a poderosa força de tornar o momento presente em passado. 

No entanto, penso que o tempo não tem o dom de curar todas as feridas. Talvez, quem assim o pense, esqueceu-se da poderosa força de um abraço amigo e reconfortante para os dias sombrios. Ser abraçado é ser acolhido e isso é o caminho para a cura de muitas dores da alma. 

Mas, para algumas pessoas o tempo pode aprisionar uma dor em um espaço criptado, encerrado em si mesmo, e que por isso impede que alguns sentimentos possam ser simbolizados. 

Esse espaço criptado pode ser a alma e quando isso ocorre, o tempo não passa, ele perde sua essência. 

Uma alma presa ao tempo (a esse tempo que não existe mais ou que perdeu sua razão de existir) sofre muito e adoece. 

Esse adoecer constante retira do prisioneiro a sua energia vital. Uma alma aprisionada ao tempo padece da pior simbiose que existe: O passado determinando sempre o presente e assombrando o futuro. Não há caminhos, não há mais passos orientados, segue-se sem direção. 

Penso que caminho é escolha orientada... É direção ajustada a “sentidos”. Uma alma presa ao tempo, não caminha, não vive... Existe apenas. 

Se tivesse hoje que perguntar ao tempo sobre suas verdades eu perguntaria a ele: Por que és tão soberano? Acaso és o senhor dos destinos? 

E fazendo uma reflexão, obtive como resposta, ou melhor, insight: 

“Eu não sou o senhor dos destinos, porque o destino não se coaduna com a minha essência. O destino é preso, é formado, por isso não existe. Eu passo, por isso sou soberano”. 

E esse é o sentido de tudo: A vida é um ritual de passagem.

Ana Sá Peixoto

terça-feira, 26 de junho de 2012


DEFENSA 1480





.Quero lhe contar uma história de amor a distância....

Tudo o que fazemos nesta vida ecoa para a eternidade e o amor não pode fugir a essa Lei... Não um grande amor. Não acredito que essa historia tenha sido como aquelas relações instantâneas que se constroem do nada e para o nada se vão, isso seria vazio demais para dois corações que transbordavam de emoção.


1. O COMEÇO 

Ele chegou à sua vida como àquelas historias que se propõem a uma felicidade eterna, embora ela soubesse  que nossa vida é tão transitória quanto à chuva. 

Penso que as mudanças mais importantes na vida dela, sem duvida, aconteceram quando ela imaginava que tudo estava perdido... Ou quase tudo... 

Quem sabe se esse meio século de vida que separaram a historia deles no passado, não foi o tempo que eles precisaram  para maturar esse amor? 

Esse tempo transcorrido entre as histórias de ambos os atores deste cenário, trouxeram a eles um grande ensinamento: A capacidade que temos de amar alguém, independente do tempo ou do espaço em que esse amor aconteça. 

Um amor a distancia foi o grande desafio para esse casal que se conheceram pela internet. Entregaram-se a essa emoção, assumiram todos os riscos e consequências inevitáveis que a distancia podia lhes oferecer. Sofreram, mas foram felizes também. 

Amar a distancia, ao meu ver, é como perder a “condição de humanos”... É se imaginar limitado nos sentidos que a natureza nos deu, mas sem deixar de sentir o prazer e o bem estar que o ser amado representa em nossa vida. 

Mas o amor tudo pode não? E por isso eles continuaram na espera de que,  um dia, seus anseios fossem desvelados por um encontro real. Um encontro que devolvesse a ambos a condição de humanos: Viverem e se amarem com todos os seus sentidos completos.  

Nesse período em que viveram esse amor a distancia, foram capazes de construir uma linda amizade, cumplicidade, afetos, paixão... Respeito. 

Descobriram similitudes e diversidades em suas vidas... Em suas trajetórias. E o que me encantava era saber que a eles não importava como tinham vivido antes de se conhecerem. O que encantava a eles era sentir a suavidade dessa relação que crescia a cada dia... Tomava forma. 

Não havia um dia em que eles não se falassem, não se procurassem um do outro e não compartilhassem o seus cotidianos. Alimentavam esse amor com linhas apaixonadas, com poemas, músicas... Com a emoção. Ela o respeitou... 

Sentiram saudades que se acabavam com uma simples frase, escrita na tecla fria de um computador: Bom dia amor! Isso já era o bastante para cortar a dolorosa distância, para quebrar o gelo, para abastecer o coração e alma de afetos. Ela o sentia próxima demais dele... 

Costumavam dizer que seu encontro não tinha sido obra do destino ou do acaso, mas de Deus. Não me resta nenhuma dúvida de que a mão de Deus escreveu as linhas dessa historia. E foi tão bem escrita que eles foram abençoados com a possibilidade de um encontro real... Ela se preparou... 


2. O ENCONTRO 

Não existe nada mais lindo na vida que a realização de um sonho... A mão de Deus sempre presente, deu a  possibilidade de se conhecerem pessoalmente, de viverem essa emoção que os tomava conta. 

Embarcaram para a Argentina onde lá iam iniciar seus estudos avançados em áreas distintas do conhecimento cientifico e humano.  

A cosmopolita e romântica cidade de Buenos Aires foi o pouso deles. O destino deste casal para o amor. Esse amor que pedia e rogava para existir, para se transformar em realidade, para consumar desejos... 

Se um grande amor tem endereço, o deles foi a Rua "Defensa 1480”. Ali eles sublimaram suas almas, esgotaram seus corpos e aqueceram seus corações. 

Ela foi ao seu encontro com o coração apertado de emoção e ansiedade, como uma adolescente que vai ao encontro de seu primeiro amor. Embora ela seja uma mulher adulta, amadurecida pela vida, mas seu  coração não conseguiu entender a emoção de vê-lo... Toca-lo. 

E como tudo o que é planejado é sujeito as intercorrências da vida, ela perdeu a hora e ele o rumo. Encontrou-o “preso” em outro endereço. Esse primeiro encontro deles, olhos nos olhos, foi atrás de um portão de outro prédio. E quando em fim, ele se libertou, eles se abraçaram e se beijaram.. 

À principio, um beijo calmo e um abraço reservado, estavam na rua, aos olhos de todos. Mas depois, na intimidade do apartamento, eles se entregaram  à fúria de suas paixões.  

Ela nunca se esqueceu aquele dia, aquele olhar e aquelas mãos. E aquele beijo, tão profundo que puderam tocar seus corações. Aquele corpo que a consumiu de prazer. Aqueles braços que a enlaçaram num abraço redentor, cobrindo por inteiro seu corpo pequeno. 

Ele a tocou suavemente, percorreu as linhas do corpo dela com suas mãos, enquanto ela fechava seus olhos e sentia seu toque e buscava a sua alma... Já não eram mais donos de si, eram "seus", pertenciam um ao outro. 

Os beijos cada vez mais aqueciam aquelas almas e corpos, sinalizando que estavam felizes. A troca de olhares se misturava a troca de línguas e de sensações inimagináveis. 

Não queriam calma, não queriam sossego, não nesse primeiro momento. Eles buscavam despertar o fogo adormecido e se arderam de desejo nessa entrega louca...Cansados e suados de tanto amar. 

Palavras de amor eram sussurradas trazendo a docilidade dos afetos ao leito de amor. E quando ele a penetrou, ela sentiu como se estivesse sido transportada para outro mundo. Um mundo que só quem conhece são os seres apaixonados. 

Quando ele chegou ao êxtase, tudo se transformou ao redor deles. Ela jamais esqueceu esse momento. Talvez pela intensidade do gozo dele, ela tenha se esquecido dela mesma querendo viver apenas a emoção que vinha do corpo dele.  

O que sei é que ele deu a ela prazer absoluto e depois que ele chegou ao clímax, ela deitou seu corpo sobre o dele, sobre seu peito... Escutou seu coração descompassado. Beijou-o com carinho, docemente, para que ele descansasse....E foram envolvidos num abraço tão terno que duas lagrimas se assomaram nos olhos dela.  

Quanto eu o amo! Pensava ela a todo instante. Ele a abraçou com carinho e ficaram assim por muito tempo. Não falaram nada, não precisavam porque seus corpos já tinham falado o que queriam saber: Estavam  felizes. 

Adormeceram num doce e acolhedor abraço já na alta madrugada, depois de se amarem por varias vezes durante o dia. 

Dois dias se passaram para o segundo encontro deles. E nesse dia, ela já estava mais refeita de tanta emoção e de ansiedade, que conseguiu chegar ao clímax do seu desejo por ele... Ela não fazia ideia do quanto seria maravilhoso o que sentiu nos braços do seu grande amor. Ele a realizou como mulher... 

E assim foram se passaram os dias e as semanas em que eles se encontrávamos, quando estavam livres dos estudos. Eles se amavam às vezes de forma selvagem, noutras de maneira mais suave e apaixonada... Conheciam-se, saíam para namorar, conhecer os lugares mais pitorescos de Buenos Aires, todavia, para ela, o lugar mais lindo dessa cosmopolita cidade, foi a Rua Defensa 1480, seu canto de amor. Ali ela renasceu.  

3. A PARTIDA 

A hora da despedida nem sempre é feliz. Eles dormiram juntos na noite que antecedia a viagem dele de retorno ao Brasil. Bem cedo pela manha tiveram a conversa que ela tanto temia. Ele tocou seus cabelos, olhou-a no fundo dos seus olhos e disse-lhe: "Você me promete que não vai se consumir de tanto amor?" "Que vai seguir sua vida e se cuidar? "

Ela não conseguiu responder com palavras àquela pergunta que apertou seu coração. Ela chorou, não conseguiu controlar suas lágrimas, mas foi um choro contido. Apenas sinalizou que sim com a cabeça, pedindo a Deus que aquela pergunta fosse refeita. Mas não foi... 

Ela o deitou na cama e debruçou seu corpo no peito dele, deixando-se entregar a um carinho tão forte. Ela não queria ir embora, não queria dizer adeus. E como se ele estivesse lendo seus pensamentos, ele a  puxou para mais perto e olhou-a nos olhos, dizendo-lhe: "Eu não me despeço, não vou dizer adeus... Digo até logo”. 

Ela suspirou fundo e agradeceu a Deus por aquelas palavras que seus ouvidos escutavam de maneira suave. Dos olhos dele, escorreram algumas lagrimas. Ele sofria também. 

Num impulso, talvez de desespero, ela se agarrou a ele, suplicando: "Por favor, não me deixe!" Chorou as lágrimas que tanto continha... Ela se descontrolou por alguns instantes. E um silêncio enorme tomou conta do quarto. 

Alguns momentos depois, já refeita do impacto que a saudade lhe causava, ela se levantou e, pouco a pouco, foi tomando consciência do caminho que havia trilhado e de quanto seria dolorosa sua escolha.  

Pela primeira vez, em quinze dias, o pensamento no futuro torturava  a mente dela. Haviam pactuado não falar de futuro e viver apenas o presente. Mas como manter um pacto feito na calmaria e frieza de linhas escritas na tela de um computador? Na distancia? 

Ele levantou-se e a ajudou a vesti-la. Ela precisava ir embora. Arrumou suas coisas pessoais, sua roupa, sem ao menos olha-lo nos olhos. Sentia uma dor tão forte na alma. 

Quando já estava pronta, ela se dirigiu a ele e pediu: "Leve-me até a porta". Ela estava vazia de emoções, porque tudo o que viveu de sublime ela sabia que deixaria nesse quarto. Ela sentia isso.  

Ele a  acompanhou até a porta e se abraçaram fortemente, um beijo eternizado de paixão selou aquele momento. Quando ela pensava que nada mais restava, ele lhe falou novamente: "Amor eu não me despeço, não digo adeus, digo até logo. "

Ela segurou sua emoção e sinalizou com a cabeça que sim... Ela não conseguiu verbalizar aquela despedida. Apenas tocou o rosto dele com suas mãos trêmulas e tentou desenhar suas linhas na sua memória. Foi um gesto terno. Depois, ela se afastou, acenou com a mão, virou as costas... Seguiu. 

Não voltou às costas atrás e mais uma vez foi tomada por lágrimas. Ao entrar no taxi, de volta para o seu  apartamento, ela se sentia exaurida pela saudade e pediu a Deus, quase em oração: "Senhor tenha piedade de mim!". 

4. A DISTÂNCIA 

Ele retornou ao Brasil um dia antes dela. No dia seguinte a despedida deles, ela retornou a rua Defensa 1480, para fechar o contrato de aluguel, a pedido dele. Voltar aquele lugar, sem dúvida, foi doloroso para ela.

Tudo estava em silêncio quase mortal, mas ela ainda pode sentir muito deles dois naquele lugar. Abriu as cortinas, as janelas, deixou o vento entrar. Arrumou a cama que estava ainda em desalinho, sinalizando o amor dos dois. 

Como um fantasma, ela caminhou por todos os ambientes e tudo lhe lembrava seu amor. Quando chegou  próximo à escrivaninha, havia um bilhete: “Amor, cuide-se, bjs”. Não estava assinado, mas ela sabia que era dele, que era para ela. Colocou o bilhete na bolsa e com lágrimas nos olhos, sentou-se à espera do momento para encerramento do contrato. 

Após ter resolvido tudo, na saída ela encontrou o porteiro do prédio que lhe disse: “Señora, un gusto conocerla y felicitaciones a su novio en mi nombre, espero que pronto regresen”. Agradeceu a cordialidade e saiu. Um vento forte e frio soprou no seu rosto ao caminhar pela rua. Tudo lhe conduzia até ele... 

Bem mais tarde, neste mesmo dia, eles se comunicaram pela internet, ela estava arrumando as malas pra a sua viagem de volta. Foi uma emoção muito forte vê-lo novamente e já instalado em sua realidade, enquanto ela ainda vivia um sonho. A conversa entre eles foi breve e ela se despediu. Tomou um táxi e se dirigiu até ao aeroporto. 

Foi a viagem mais longa da vida dela, certamente que sim. As horas passavam sem importância. Ele seguiu viagem com ela, em sua mente e em seu coração. Quando em fim, ela pousou na sua terra, sentiu um temor tão grande e pensou: “Será que tudo foi um sonho?”. 

Após a sua chegada a sua terra, eles dois mantinham contatos todos os dias pela internet. Sempre esses contatos eram de profunda emoção. Sentiam saudades, mas tentavam contê-la.  

Conseguiram manter a chama do amor, ainda que distantes e ainda que sem sexo. Mas nada pode ficar igual ao contato real. Ela tomou consciência de que a pele, a química do toque e dos beijos, não é soberana em uma relação, mas é significativa. 

5. A  AUSÊNCIA 

Um mês se passou após o retorno deles ao Brasil e embora cotidianamente se falassem pela internet, ela  entrou em um processo de solidão. E a cada dia ela tentava esconder essa sensação de incompletude. Mas não conseguia

O diálogo deles foi se tornando pesado por uma inconsciente cobrança. Quanto mais ela tentava amá-lo e compreendê-lo, mas eles se afastavam um do outro... Ela sentia a partida dele da sua vida, silenciosa e sorrateiramente. 

Talvez essa sensação de nova partida tenha mexido com a saúde dela e com seu bem-estar, assim como abalou o dele também. Ela viveu dias de angústia e medo ao perceber que a menstruação dela havia atrasado como nunca antes tinha acontecido e o medo da possibilidade de estar gravida, roubou-lhe noites de sono e dias de concentração. 

Ela, em uma atitude, talvez inconsciente, acariciou o seu ventre e desejou que ali realmente existisse uma semente daquele amor. Quando ela se seu conta deste gesto, imediatamente chorou de desespero.Ela não devia estar grávida, ou melhor, não poderia estar grávida. 

Conversaram sobre a “suspeita” de gravidez, embora ela em seu íntimo soubesse que não estava grávida, mas as circunstância desse encontro, fragilizavam seus pensamentos... Eles não se protegeram.  

Cientes de que uma família não pode ser constituir sem responsabilidade, eles dois aguardaram ansiosos a resposta da natureza. E na noite seguinte, ela descobriu que não estava grávida, sua menstruação havia descido. Ela se sentiu confusa, as vezes aliviada, noutras. com um sentimento de frustração.  

Um dia, já esgotados e sofridos pelos problemas decorrentes da distância e de cobranças dela  (inconscientes), ele colocou um fim a relação. Sua alegação se baseou na percepção (dele) de que ela não estava madura para viver uma relação a distância, ela ainda contra-argumentou.  

Mas, para fatos não há argumentos, penso eu. Ela passou um dia tentando entender aquela decisão tão forte e abrupta. Digeriu cada linha dos seus diálogos, cada promessa feita nos momentos de desejos e ternura. Ela se consumiu.  

Então, após várias madrugadas acordada, sem conciliar mais o sono, ela escreveu um e-mail para ele em agradecimento a todos os momentos de felicidade plena compartilhados entre ambos. Ela se sublimou.  

Combinaram, então, seguir sendo amigos, tetaram, mas a cada linha escrita, as emoções se acirravam, geravam revolta, raiva, talvez, mas não nela. E perceberam que não podiam sequer se encontrar on line, porque brigavam sem querer. E como era doloroso e sofrido para ambos perceber isso. Afastaram-se por uns dias para ver se eles se acostumavam com a ausência. 

E conseguiram viver, nos dias seguidos, uma relação estabelecida nos caminhos da amizade. E como são desconcertantes os caminhos da amizade! Ela nào sabia se iria continuar sendo amiga dele, estabelecendo um dialogo frio e distante, onde houve tanta ternura e carinho. Ela tentou. 

Mas o que é a ausência senão a falta, a indiferença? Uma lacuna que se abre na alma. Ela sentia falta dele e de tudo o que ele representou na vida dela. Às vezes ela se pegava pensando se Deus, em sua misericórdia divina, assentaria suas mãos em almas solitárias para lhes carregar mais dor ou sofrimento? Não, não posso acreditar nisso. Se os caminhos deles se cruzaram por obra de Deus, penso que ele não quis fazê-los  sofrer. 

Ela  buscou terapia para elaborar mais uma rejeição em sua vida, por parte de quem ela tanto amou e ama.  Penso que não é uma tarefa fácil elaborar um luto e ao mesmo tempo tentar reorganizar a vida, os planos, refazer sonhos e pensar em um futuro sem ele. Ela se esforçou.  

Sei que ela obteve melhoras em seu quadro emocional, evitando, ao máximo, confrontos ou contato com ele que ultrapassem o esperado e o permitido por ele ou por ambos. Ela tentou ser forte. Ela ainda o ama. 

Num dia de grande desespero ocasionado pela saudade, ela entregou a Deus essa história de amor e pediu para ele dar o desfecho que merecessem. Mas ela não conseguiu negar que não existia um dia sequer em sua vida que ela não se lembrasse dele e de todos os momentos de intensa felicidade que passaram juntos.  

Ela esperou a resposta do tempo e enquanto isso, fortalecia sua alma e trabalhava, com dedicação, na construção de uma mulher mais segura.   

6. O ENGANO 

Existem enganos que são necessários para a continuidade da vida, para o amadurecimento. Crescer como pessoa não é tarefa fácil e tampouco democrática. Muitos sequer sabem esse gosto e talvez nunca saberão. Por que para “ser” é preciso coragem. “Ser” é um ato de desafio e muitas vezes de superação também. 

Os sentimentos de amor que ela nutria por ele não foram um engano. O engano foi na forma que ela teve que olhar essa história ou de tentar vivê-la dentro das suas reais limitações e desafios: Uma relação a distância... Um amor por um homem casado. 

Ele não mentiu para ela sobre seu estado de casado. Ela sabia disso desde o primeiro momento em que seus caminhos se cruzaram. No entanto, ele sempre ponderava que seu casamento “já havia acabado há muito tempo” e que não existia mais nenhuma relação conjugal que pudesse interferir nessa nova relação. Ela confiou.  

Creio que isso explique tudo o que ela viveu e passou. Tudo o que ela teve que digerir e assimilar. As limitações foram muitas e muitos também foram os momentos de angústia. Ela não só entregou seu coração, como também, seu corpo e sua alma para ele. Entregou ainda seus sonhos, suas fantasias e suas verdades.  

O tempo passava, a resposta não vinha e tudo estancou para ela nessa espera. Ela entrou em um estado depressivo e em um processo de morte de valores. Ela sentia uma dor tão cruel quando ele, em uma decisão pensada, excluiu-a dos seus contatos na internet, o único elo de convivência que os unia, com o argumento de que “o amor dela feria”. Para ela, esse ato, foi como ser excluída de uma vida, de uma história. Custou  a elaborar isso na mente dela. Ela se humilhou... 

Havia dias em que ela revisitava esses momentos em que construíram essa linda relação. Reconheceu que viveu dias de glória e de intensa felicidade, mesmo com o pouco que ela tinha de contrapartida dele. O engano estava na forma de percepção da realidade. Uma relação triangular, causa muita dor e contribui para diminuir a auto-estima da mulher, da amante. 

Após meses em conflitos com a relação, eles se desgastaram emocionalmente. Ela assumiu culpas, muitas das quais hoje ela tenha a lucidez de que não lhe pertenciam. O pior de uma história de amor que não deu certo é culpar o outro por esse fracasso. Isso é um dano irreparável para quem naufraga numa relação. Penso que não existem culpados, mas sim responsáveis. 

Revendo a trajetória dessa relação, ela percebeu o quanto perdeu e ao mesmo tempo, o quanto ganhou. Perdeu, por vezes, em sonhos, em esperar por algo ou alguém que talvez nunca regressaria a ela, mas ganhou na força de conhecer melhor a natureza humana, os homens e seus desenganos. Ganhou ao conhecer a delicia de viver um verdadeiro amor. Ganhou, ainda, ao se deixar de se ver como vítima dessa fatalidade que é a de viver uma historia de amor, cujas linhas se escreveram numa relação triangular. Ela foi fiel a ele. 

7. A MORTE 

A morte nem sempre ocorre da maneira física ela pode ser simbolizada também. Há pessoas que simplesmente morrem um pouco a cada dia, mesmo estando vivas na acepção correta da palavra. Como em um estado vegetativo...Não há pior morte que essa. 

Ela viveu alguns meses assim enquanto se encontrava enferma pela depressão, em um eterno estado vegetativo e a todo momento ela precisava de alguém ou de algo que desse a ela a ordem para desligar um aparelho que a mantinha viva em uma historia que já estava se esvaindo...Uma espécie de eutanásia. Sim, era isso que ela esperava sempre...Que ele lhe desse mais razões para ela desligar os aparelhos que a mantinham viva ou em sobrevida, àquele sentimento tão forte que ela nutria por ele. 

Ela entrou nesse estado vegetativo, sem nenhuma chance de melhora ou evolução... Eles se amaram muito e ela permitiu que ele transitasse pela sua história, com poucos cuidados com seus sentimentos ou quem sabe, pela sua pessoa, embora ele a tenha respeitado muito.  Ele foi correto e de caráter, ao perceber que estava diante de uma relação conflitiva e ele propôs a ela que precisava primeiro resolver a vida pessoal dele, seu divórcio, para que depois, pudesse voltar livre para ela. 

Ela não conseguia esperar, até por que essas decisões não se dão de maneira tão repentina. Seu erro foi manifestar pressa e isso causou nela um grande sofrimento. Por isso ela precisou romper o elo e sofrer de uma só vez. O pior sofrimento, sem dúvida, é a sua constância, sua continuidade... Ela precisava se resgatar, voltar a vida...Ou em uma metáfora, ela precisava desligar seus aparelhos que a mantinham viva naquela história, até que ele resolvesse sua vida pessoal. 

Colocou seus valores em uma balança imaginária que toda mulher conhece muito bem... Sopesou tudo e percebeu que precisava mudar. Em seus momentos de reflexão, ela descobriu que não era correto viver nessa relação triangular. Que não se pode permitir ser um abrigo apenas para dias sombrios. Ser mulher é ser capaz de viver relações inteiras e não doces enganos trazidos por poucos pedaços. 

E durante esse seu caminho pela reflexão do que seria o seu resgate para uma nova vida, ela teve um choque de realidade. Caiu em prantos, consumiu-se, não por fragilidade, mas por incredulidade, por não compreender as voltas que a vida lhe deu.  

Foi nesse instante que ela teve que tomar a única decisão que lhe cabia no momento, para não ser sucumbida pela enorme dor causada pelo fim de uma história de amor.  

E por um gesto esmerado na eutanásia, em um dia de grande desespero de solidão e saudade, ela  matou a ideia de uma relação que insistia em viver em estado vegetativo, sem esperanças de uma evolução promissora, que deixou em frangalhos um coração despedaçado, mas sobrevivente pela vontade de continuar vivendo...À espera de um novo amor, que saiba entender, aceitar e respeitar seus sentimentos. 

Penso que um grande amor nunca morre, ele apenas fica cristalizado nos corações dos que se amam. como em um estado de latência. Eles se amaram verdadeiramente, foram felizes, ainda com todos os percalços vividos. Hoje, eles pouco se falam, mas no coração dela ele sobrevive inteiro. Ela continua casta a espera de que Deus conceda a eles uma nova chance de viverem esse amor....De ressuscitar essa linda relação vivida entre eles.

Que eles possam ser felizes...Ainda que distantes.

Ana Sá Peixoto

Entre o rio e o lago: A dimensão dos desejos




Quero lhe contar uma história de desejos...

Certa vez... Em um pequeno bosque, um vigoroso rio perdeu sua direção, mudando seu curso natural para se acercar de um lago que, apesar da aparência calma, guardava inquietações e mistérios em suas profundezas.

Existia uma estreita e sagrada faixa de terra que separava estes dois mundos: O do rio e o do lago.

Para um espectador desavisado, este cenário poderia ser bucólico demais para atrair a atenção de quem andasse por aquele caminho.

Todavia, se usarmos nossa imensa sensibilidade, compreenderemos a importância que esta pequena faixa de terra representou para esses dois universos.

Esse caminho estreito e tênue, não apenas separava as diferenças naturais destes dois atores, como também, paradoxalmente, os aproximava em suas semelhanças: O desejo!

O desejo fascinou o rio que queria, a qualquer custo, sorver o pequeno lago. Talvez esta vontade do imperioso rio fora motivada por uma necessidade de se mostrar como sendo “O Senhor de todas as águas”.

Depois de relutar, por estranheza, pudor ou inexperiência nos caminhos da natureza, o lago se entregou aos encantos e necessidades do rio. E como dois amantes, ficaram às margens de suas próprias histórias. 

O drama do desejo que viveram abalou a estrutura do saber de ambos os atores desta bucólica aventura. Já não sabiam o que era certo ou errado, o que era permito ou negado ou ainda, proibido.

O desejo e a atração que sentiram um pelo outro, fora forte demais para os caminhos da razão... 

Rio e lago foram amantes sem quartos, sem camas, sem doces palavras, sem ternas paixões e também sem promessas de um encontro... 

O desejo, apenas ele, fora o ponto de interseção entre dois mundos tão diferentes. E neste caminho, entre a loucura e a sanidade, rio e lago devotaram suas necessidades mais sublimes e foram ao fundo de suas vontades encobertas.

Neste espaço sagrado, experimentaram e uniram o melhor que tinham: O corpo e, quem sabe, a alma. Ofereceram-se à semelhança dos rituais religiosos entre pagãos e se entregaram como que profanando a moral.

Porém, não foram capazes de viver a delícia do corpo quando em sacrifício da mente e por isso, não atingiram o ponto culminante de seus desejos: O gozo e a resolução de suas necessidades mais profundas. 

Permanecendo juntos neste espaço incomensurável, rio e lago, viram-se envolvidos em uma intimidade profunda e severamente proibida. Teriam que voltar ao curso normal.

O rio, por sua madureza e experiência nos caminhos da natureza, abdicou de pronto desta “união” em nome de sua realidade, após, é claro, ter experimentado toda a loucura e doçura do desejo que o lago lhe proporcionara.

O lago, em decorrência de sua natureza limitada, nunca havia experimentado as loucas sensações da imensidão de um rio, entrou em conflito com a repentina separação.

Na verdade, o lago não havia percebido os sinais de negação que o rio lhe transmitia: “As mudanças que ocorrem no curso dos rios, todas são temporárias e ocasionais”. “Nenhum rio deságua em um lago”. “Todo rio tem o seu par: O mar”.

Como foi triste o cotidiano deste lago ao perceber as reais intenções do rio: “Sem Paixão!. Sua paisagem estagnou, ficou turvo e sem brilho. Sofreu os revezes desta “relação” e sentiu-se mortalmente ferido.

Por sua natureza excessivamente doce e romântica, o lago não conhecia as uniões instantâneas e acreditava que a paixão era a “pedra de toque” de todas as relações da natureza. 

A vida no lago voltou a ser colérica e ele voltou a padecer das paralisias, das anestesias, dos tremores, das contorções e dos medos que a vida sempre lhe impôs, mas apesar de tudo, sentiu saudades que se misturaram ao desespero. 

Esta saudade ficou refletida em doces linhas de um belo diário. Essas linhas, não só continham os gritos de revolta, as lágrimas de um coração partido, como também, a doçura dos sonhos que o lago tinha em desaguar no rio. Sonhos impossíveis de serem realizados, pela própria natureza de ambos...

Várias vezes a sanidade do lago fugiu por entre suas margens e quando em fim este a recobrou, pode conhecer, ou quem sabe, desconhecer, o universo pelo qual se apaixonara: O rio.

E em excessos de paixão, motivado por uma profunda fragilidade ou por fantasia, o lago adoeceu de uma dor tão cruel que o fez adormecer durante horas, dias, semanas... Meses. 

Chorou sozinho, no escuro. Teve febre no seu silêncio e tremores em sua solidão. Carregou a dor de ter sido abandonado pelo rio no momento em que mais precisou dos seus efetivos cuidados. 

Quanto ao rio, este saiu desta “relação” de forma elegante, sem que nenhuma pedra interrompesse o seu percurso. Sua vida seguiu o curso normal, como se nada tivesse acontecido. 

Mas, acredito que ele também levou consigo o amargor do arrependimento... 

No seu universo, o rio velou por sua imagem ilibada e por uma racionalidade enriquecida pelos princípios éticos que regem a relação “rio-lago”. Talvez, ele tenha se acovardado ou apenas saciado a sua lascívia, ou quem sabe, refletido sobre as conseqüências penosas para todos aqueles que cometem atos impensados.

Ancorou-se em boas justificativas como: “Querer não é poder”, “temos mundos diferentes”, “somos proibidos um para o outro”. Frases vagas, medidas, calculadas, mas que abriram enormes feridas no lago.

Enquanto o rio se fundamentava na razão para por um fim àquela “relação”, o lago vivia a desordem do seu cotidiano e o claustro do sentimento negado.

Se o rio fora realmente feliz, não se sabe e talvez nem se deva saber. No entanto, à semelhança dos homens, o rio costuma confundir covardia e coragem e dificilmente se culpa por ter rasgado a alma de uma mulher.

O lago teve sua alma rasgada em seu momento de maior lucidez e fragilidade...

O certo é que rio e lago foram traídos por seus inconscientes e sofreram as conseqüências desta dolorosa e solitária traição. 

Conta – nos esta história, que o lago teve violado o seu “Diário de águas turvas” pelo “Senhor dos Lagos”, que, ao descobrir o segredo que lago e rio guardavam, ameaçou, eivado de ciúmes e posse, por fim à existência do lago e ao curso do rio.

O lago, num ímpeto de desespero frente a grande ameaça, jurou respeito eterno ao seu Senhor, como forma de proteger sua integridade e também a do rio, seu encantamento.

No entanto, o lago sofrera as punições mais severas impostas a todos aqueles que violam as leis da natureza. Foi encarcerado em uma redoma, como forma de evitar que outros rios dele se aproximassem. Teve sua intimidade violada e sua dignidade destruída, por muitos que se aproveitaram de sua bondade e honestidade.

Hoje, sabe-se que aquele pequeno lago, incauto, frágil e inseguro, rompeu as dificuldades impostas pela natureza e também pelo seu Senhor, curou suas dores mais profundas, recobrando a sanidade e num momento de grande agitação e coragem, transbordou. 

Tornou-se riacho e nutre os sonhos dos livres: “Tornar-se rio e desaguar num mar”. 

O que teria levado o rio e o lago a seguirem caminhos tão distantes, após terem vivido a louca experiência da proximidade e da dimensão dos seus desejos?

A resposta eu não sei, mas talvez a natureza ou a fragilidade de ambos um dia possa explicar... 


Ana Sá Peixoto